Atenção!

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Reflexão


Cotidiano em Branco e Preto

Carlos Moreira

Há alguns dias completei 44 anos. Como de costume, não fiz festa nem nada, apenas saí para jantar com minha esposa e com minha filha, pois, para mim, elas são a minha grande festa e a minha alegria.

Pois bem, ficando mais velho, me vi, de repente, analisando a citação do salmista: “ensina-nos a contar os nossos dias de tal maneira que alcancemos corações sábios”. Sl. 90:12

Aí pensei comigo: “nós não contamos dias, contamos anos!”. Ninguém comemora aniversário de dia. Sei que de algum tempo para cá as famílias estão comemorando o “mensário” – celebração mensal do aniversário do bebê durante os 12 primeiros meses de vida. Mas ainda não vi ninguém comemorar cada dia da existência...

Ora, se isto nos parece tão ilógico, tão desnecessário, tão sem propósito, porque então o salmista pede isto a Deus como algo que pareça ter valor e significado? E mais, ele dá a entender que aqueles que conseguirem tal façanha alcançarão como recompensa “corações sábios”.

Depois de muito meditar, imaginei que, talvez, o salmista esteja tratando da mesmice da vida. Sim, penso que ela estava tentando fugir da monotonia, do enfado da repetição, das tarefas que realizamos todos os dias, semana após semana, mês após mês, ano após ano... O cotidiano é como um liquidificador; ele tritura tudo o que encontra pela frente, pois não há nada mais letal para o ser do que a rotina.

Contar anos é algo abstrato, porque muitas coisas que se passaram durante este tempo nós não lembraremos mais. Sobrará em nossa mente apenas fatos que julgamos relevantes e, não raro, eles não representam aquilo que vivemos, mas, provavelmente, apenas o que nos marcou.

Contar dias é diferente... Pois cada dia tem sua singularidade própria, revela o quanto Deus é bondoso nos acontecimentos mais singelos e até imperceptíveis da vida. Quem aprende há contar dias passa a discernir o bem em cada gesto, o amor em cada ação, a paz em cada livramento, a graça em cada perdão.

Quem conta apenas anos vive o cotidiano em branco e preto, pois a existência se revelará crua, dura, sem cor, sem sabor, sem luz, sem beleza. Quem conta dias consegue alimentar a alma de esperança, pois "as misericórdias do Senhor se renovam a cada manhã" e assim acaba discernindo quão grande dádiva é existir, viver cada dia como se fosse único e último. Por isso Horácio, o grande poeta latino, afirma: Carpe Diem – aproveite o dia, curta o momento, beba da seiva da vida hoje, agora!

Estou certo de que contar dias é melhor do que contar anos. Portanto, estou pedindo a Deus, como me aconselha o salmista, a fazê-lo com atenção e reverência. Em nosso tempo, os dias são velozes, parece não ter 24 horas. O tempo voa, os carros andam depressa, as pessoas estão assoberbadas, o “dinheiro nunca dorme”, o mundo não para...

Contar anos nos levará a constatar o que diz o sábio do Eclesiastes: “Todas as coisas trazem canseira. O homem não é capaz de descrevê-las; os olhos nunca se saciam de ver, nem os ouvidos de ouvir. O que foi tornará a ser, o que foi feito se fará novamente; não há nada novo debaixo do sol”. Eu, todavia, prefiro viver na perspectiva do que me afirma o apóstolo João no apocalipse: "estou fazendo novas todas às coisas!", ou seja, eu sei que o que me espera na eternidade será o novo, não a rotina.

Carlos Moreira é culpado por tudo o que escreve. Ele posta aqui no Genizah e na Nova Cristandade.


Nenhum comentário:

Postar um comentário